Carta de professora ao governador Tarso Genro

Buscando compreender o incompreensível

Sr. Governador do RGSul, Tarso Genro.

Sou professora estadual e isto já é qualificação suficiente para lhe pedir que leia até o fim. Por favor, não encarregue nenhum assessor para tanto. Portanto, Sr. Assessor, repasse ao destinatário.

É quase uma questão de saúde.

Desde que o senhor começou a ensaiar um discurso conhecido sobre a situação precária do Estado, desde então, Sr. Governador, tenho sido acompanhada por um sentimento de absoluto descrédito, desesperança, quase como se, definitivamente, não houvesse mais saída.

Preciso muito que o Sr. me ajude a compreender algumas questões.

No início de seu governo, já nos primeiros dias de janeiro, li e acompanhei nos veículos de comunicação a sua preocupação em reajustar o salário dos coordenadores da administração do Estado, alegando, lembro bem, que isso qualificaria melhor os serviços públicos, já que atrairia profissionais mais capacitados. Eles ganhavam em torno de R$1.600,00 e passariam a ganhar algo como R$4.300,00. Fiquei entusiasmada com a sua lógica, pensando no quanto a sua visão das coisas se parecia com a minha. Pensei ainda que essa urgência toda poderia estar ligada a preocupação de que este pessoal se visse animado a fazer melhor o seu trabalho e pudesse fiscalizar com seriedade essa doença chamada corrupção. Imaginei que a suposta (por mim) fiscalização poderia impedir a corrupção nos serviços públicos e res ultaria, com muita folga, em recursos para pagar o piso do magistério. Aliás, esse é o trabalho do Tribunal de Contas, cujos funcionários ganham salários bem dignos. Dito isso, não cabe mais nenhum comentário.

Falando em corrupção, as notícias a partir do último domingo, dia 13 de março, são desalentadoras e devem ter ocupado sua agenda já que o nome do nosso Estado constou o maior número de vezes. Que vergonha! Imagino que o Sr deve concordar que se não houver uma ferrenha fiscalização, a festa desses criminosos vai continuar. É ingenuidade, falta de vontade ou conivência pensar o contrário.

Mas voltemos ao início, quando eu ainda estava entusiasmada. Ora, meu contentamento tinha sentido, na medida que o Sr. afirmava que melhor salário capacitava melhor as pessoas. Logicamente pensei: eu sabia, afinal minhas qualificações serão valorizadas! Porque saiba o Sr., não sou apenas qualificada formalmente, que isto apenas não basta, sou excelente professora. Sendo assim, não lhe pareceria coerente minha linha de raciocínio? O Sr. é um homem inteligente e sabe bem onde quero chegar. Onde está a linha que separa a qualificação e atrativos para os coordenadores e a dos profissionais da educação? Por que os outros cargos públicos como médicos, engenheiros, advogados recebem salários tão distantes dos nossos? Não temos o mesmo nível de formação? Por que não interessa atrair gente capacitada (a maioria já o é) para o magistério? Essa atitude, em outras palavras, não significa pouco caso com a educação? Não lhe parece um questionamento sensato? Ah, certamente sua equipe lhe dirá, como tenho assistido na mídia, o número de professores é grande e qualquer aumento “quebrará” o Estado. Isso é tão clichê, Sr. Governador! Há décadas ouço isso e não impediu a tamanha dívida que o Estado apresenta. Então, onde está minha responsabilidade nisso?

Uma outra pergunta: e os senhores deputados que indecentemente aumentaram os seus salários em 70%, onde ficou a preocupação com a situação do Estado? Por que eu, com o meu mísero salário serei responsável pela situação vergonhosa do Rio Grande do Sul? Os mais apressados, e talvez nem tão bem intencionados, utilizarão a desculpa de que a receita do legislativo e o executivo são separadas, mas me ajude a compreender, ambas não tem origem na arrecadação de impostos pagos por todos nós? E nem falamos dos salários do judiciário. Nada contra ser bem remunerado, mas por que o magistério tem que carregar o estigma de que um salário digno leva o Estado à bancarrota? O Sr. percebe a incoerência da coisa?

Uma outra questão que não consigo compreender são os precatórios, cujo montante maior fica por conta dos processos movidos pelos membros magistério, praticamente obrigado a lançar mão desse expediente já que o governo Britto nos “concedeu” um aumento, mas não pagou. Então, o Estado ficou com valores que nos eram devidos (isso tem nome) e foi preciso “engrossar” para ter nosso direito assegurado. Mesmo assim, muitos de nós abriu mão de uma parte do que nos era devido, de modo a poder receber ainda em vida, tal a morosidade praticada quando se trata de nossos direitos. Mas eis que agora recebo notícias que me deixam estupefata: que o seu governo defende a flexibilização (aqui a palavra pode significar calote) no pagamento das Requisições de Pequeno Valor (RPVs), ou seja, não nos pagar nessa vida. Ora, o Sr. nos deu tantas boas notícias durante a sua campanha, e agora, no seu governo de fato, quando receberemos a primeira que nos deixe respirar?

Me permita esclarecer: logo acima afirmei saber que finalmente seria valorizada. Pois saiba o Sr. que teve um dos cabos eleitorais mais eloquentes durante a última eleição. Eu não tinha nenhuma dúvida que conversaria seriamente com o magistério e convenci muitos de meus pares a votar no Sr. Afinal, era tão lógico que caso se elegesse não hesitaria em aplicar uma lei na qual o senhor foi peça importante. Aliás, pela veemência da sua defesa, quase podemos dizer que a ideia foi sua! O Sr. consegue imaginar a minha surpresa quando lhe vejo vacilar diante do que seria o inequívoco? E mais surpreendente ainda é lembrar que os parlamentares, principalmente, do Partido dos Trabalhadores alegaram apenas falta de vontade polí tica quando o governo Yeda praticou o absurdo de utilizar a justiça (Adin) para impedir o cumprimento da lei federal. E o que é agora, Sr. Governador?

Aliás, Juremir Machado da Silva, que o Sr. deve conhecer muito bem, escreveu no dia 10 de março último em sua coluna (se não leu, busque fazê-lo) que o Sr. não pode conviver com esta contradição (eu diria contrassenso), ou seja, ter concebido uma lei que muitos aplicam e o Rio Grande do Sul, onde o Sr. é o dirigente maior, não.

O senhor mesmo previu ajuda federal para os estados que não pudessem cumprir a lei do piso, conforme lembra bem o Juremir. E agora, o que houve com as suas convicções? O que lhe enfraqueceu a vontade? Me ajude a compreender, mas, por favor, não me fale da situação do Estado, porque disso já ouvi todos os outros dizerem.

Ana Gabriel

Professora pública do Estado do Rio Grande do Sul

Postado por Juremir Machado da Silva - 19/03/2011 20:08 - Atualizado em 20/03/2011 09:37

http://www.correiodopovo.com.br/Opiniao/?Blog=Juremir%20Machado%20da%20Silva

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